Desde o início desta viagem estive observando a situação no Egito, e antes de deixar a Europa eu já estava um pouco apreensivo. Foi quando o presidente Mohamed Mursi foi retirado do poder e o caos voltou, com centenas de pessoas sendo mortas nos protestos.
Viajando pelo Oriente Médio, eu estava sempre preocupado com a possibilidade de ter de deixar o Egito de fora da minha rota planejada. As coisas começaram a melhorar, mas a incerteza no cenário político me fez carregar essa dúvida até poucos dias antes de encerrar minha passagem pela Jordânia.
Mas o fato de que um amigo de Amsterdam estava indo ao Cairo para um encontro religioso, e tinha informações de seu pessoal que as coisas estavam muito melhores do que pareciam, me incentivou a aceitar o risco. Não visitar o Egito seria uma frustração para toda a vida.
Eu sabia que não seria de bom senso pedalar pela Península do Sinai, por conta dos relatos de aumento das atividades terroristas nessa região desde a revolução de 2011. Então meu plano era atravessar da Jordânia para o Egito de barco e seguir de ônibus da Península do Sinai até o Cairo.
O barco deixou Aqaba em torno de 03:00 da manhã, e levou cerca de três horas para chegar a Nuweiba. De lá, como estrangeiro, não pude pegar o ônibus direto para o Cairo, tinha que ir por uma rota mais segura, de Nueiba até Sharm el-Sheikh e de Sharm el-Sheikh até o Cairo.
Cheguei a a Sharm el-Sheikh à noite e o único ônibus para o Cairo saía na manhã seguinte. Então dormi na estação de ônibus e, no outro dia, às 07:30, segui para o Cairo. Uma viagem de sete horas .
Foi uma viagem com uma leve tensão, mas tudo estava indo bem, a rota era muito segura, com vários pontos de controle militar. As vezes tínhamos que sair do ônibus para checar identidade e ter as malas revistadas.
O único problema que tive foi causado por mim mesmo. Eu estava fotografando pela janela, mas sempre tentando evitar que alguém visse, já que eu queria passar despercebido. Mas quando alguém do ônibus notou aquilo meus problemas começaram. Eles começaram a reclamar que eu estava tirando fotos dos militares e a coisa acabou tomando grandes proporções.
Eu tive que explicar um monte para as pessoas no ônibus. E disse que não iria mais tirar nenhuma foto. Tudo parecia OK. Eu pensei que o incidente tinha acabado, mas eu estava errado!
Assim que chegamos ao próximo ponto de controle, o ônibus parou e em poucos minutos os militares estavam dentro do ônibus. Eles pediram meu passaporte e me pediram para descer do ônibus. Checaram meu passaporte, as fotos da minha câmera, viram minha bicicleta e fizeram várias perguntas.
Eu disse a mesma coisa que eu já havia dito para as pessoas no ônibus, que eu tinha tirado as fotos sem má intenção. Como aquela não era uma zona militar, mas uma estrada, eu pensei que não haveria problema em fotografar. Minha idéia era simplesmente mostrar que a estrada estava segura.
Eles conversaram entre si, falaram ao telefone e me pediram para apagar as fotos, o que eu imediatamente fiz (felizmente algumas sobreviveram). O ônibus seguiu viagem e minha câmera não viu mais a luz do dia.
Chegando ao Cairo eu não tinha outra opção senão pedalar pela cidade. Eu tinha anfitriões, uma família brasileira, esperando por mim, arranjado pelo meu amigo de Amsterdam. Mas precisava abrir o meu e-mail para copiar o número de telefone, então saí da estação de ônibus e fui tentar encontrar um lugar com internet.
Não posso dizer que eu não estava um pouco tenso, mas apesar dos tanques, soldados e ruas bloqueadas que eu vi do ônibus, tudo parecia muito tranquilo. Liguei para eles e me disseram que de onde eu estava seria possível pedalar até o bairro onde eles moram sem nenhum problema. E quando nos encontramos fui seguindo o carro deles até chegarmos em casa.
Todos gente muito boa, mas estavam muito ocupados organizando o encontro religioso, com seu apartamento já cheio de amigos vindos de diferentes países para participar. Eles me deixaram ficar em outro apartamento no primeiro andar, usado por seu projeto social. Minha bicicleta e eu chamamos aquele lugar de lar durante a semana que passei no Cairo.
Minha primeira grande alegria no Cairo foi encontrar o amigo de Amsterdam, um missionário brasileiro, que também tinha vindo participar do evento. Ele é uma pessoa muito especial, um grande amigo. Foi a primeira pessoa a assinar a minha bandeira do Brasil, mas infelizmente não tivemos oportunidade de nos despedirmos quando saí da Holanda. Então agora esse reencontro no Cairo foi um presente.
A primeira coisa que eu fiz no Cairo foi ir ao Consulado Indiano solicitar meu visto. Meu plano era conseguir o visto, pedalar ao sul, até Luxor, e voltar de trem para o Cairo de onde eu voaria para a Índia. Mas os procedimentos para obter o visto me tomaram uma semana. Por essa altura eu já tinha mudado de ideia sobre Luxor. Seria incrível pedalar até lá e visitar o Vale dos Reis, mas eu não tinha garantias de que tudo sairia como o planejado. São 800 km de estrada, pedalando por um Egito que não tem a mesma estabilidade que tinha há três anos.
Pelo menos no Cairo tudo parecia muito tranquilo. Eu usei sempre o transporte público e caminhei pelas ruas quase todos os dias. Com essa barba e sem qualquer vestígio de ser um turista, ninguém achava que eu não era egípcio.
Existem ainda algumas ruas bloqueadas por tanques militares, e algumas estações de metrô fechadas, para evitar os protestos que ocorrem em algumas áreas da cidade. E um toque de recolher noturno continua em curso.
Esta semana houve um ataque a uma igreja cristã (Ortodoxa Copta). Homens armados em motocicletas abriram fogo em uma festa de casamento do lado de fora da igreja. Cinco pessoas morreram, incluindo um homem muçulmano. Apoiadores de Morsi acusam a comunidade cristã Copta de ter dado apoio ao golpe que o derrubou. Muitos ataques contra igrejas cristãs do país foram relatados com um grande número de igrejas queimadas ou saqueadas.
Esse foi um dos motivos que me fizeram desistir de ir a Luxor. Os egípcios gostam muito do Brasil e de futebol, e quando eu cheguei aqui as pessoas viam minha bicicleta e me tratavam muito bem, mas sabendo que o ambiente não está cem por cento seguro e que sempre haverá pessoas radicais em todos os lugares, eu decidi ficar no Cairo até sair do país.
Aqui um antigo sonho tornou-se realidade: conhecer as pirâmides. Esse foi o principal fator que me trouxe ao Egito, e fiquei muito contente quando isso aconteceu. Uma experiência inesquecível!
Também visitei o Museu Egípcio, hoje em dia fortemente protegido. Em 2011, durante a revolução, o museu foi atacado e muitos artefatos foram danificados ou roubados. Um estúpido e imperdoável crime contra a própria cultura. Hoje tais obras estão sendo expostas em uma outra sala, mostrando o incrível trabalho de restauração que as trouxe "de volta à vida"
O museu está localizado ao lado da Praça Tahrir, palco e símbolo dos protestos de 2011 e os que aconteceram após o golpe militar. O dia em que eu estava indo para a praça só tinha o meu passaporte no bolso e o dinheiro para o museu. Eu não sabia o que iria enfrentar, então queria passar despercebido.
Mas estava tudo muito tranquilo, todos os acessos à praça estavam bloqueados com tanques, barricadas e uma forte presença militar, mas pedestres eram autorizados a passar sem qualquer problema. Ontem, quando estive lá novamente, as ruas já estavam reabertas para os carros.
Termino aqui este post pois tenho um aeroporto esperando por mim e eu definitivamente não quero repetir o que aconteceu em Atenas.
Graças a Deus, tudo, desde Amsterdam, saiu como o planejado, o que me deixa realmente muito agradecido. Hoje, quando voar daqui para a Índia, eu estarei completando exatamente o que foi planejado: viajar pela Europa, Oriente Médio e do Egito, o único país que eu visitaria na África, voar para a Ásia.
Então Índia, aqui vou eu..