Friday, March 21, 2014

Bavet - Camboja


Eu me considero um viajante, por isso nem sempre gosto de ser turista. Às vezes, chego a algum lugar "faço o serviço" e fico feliz quando estou de volta à estrada. Também não sou um ciclista, nem se quer gostava muito de bicicleta antes desta viagem. Sou apenas um cara normal, que está viajando de bicicleta, mas se alguém me pergunta qual é a parte mais fascinante da viagem, não preciso de muito tempo para responder: conhecer pessoas!

Passei a gostar de pedalar e fico contente por ter conhecido todos esses lugares incríveis, mas desde o início desta viagem encontrar pessoas tem sido a coisa que mais me dá prazer. E posso dizer que até agora já conheci muita gente bacana. Não tenho como escrever aqui sobre todas elas, mas são com certeza um personagem de destaque nesta história que estou vivendo.

Já estava no Camboja, não muito longe da fronteira, parei em uma barbearia para me livrar da barba, quando um casal de ciclistas chegou. Fico sempre feliz em conversar com pessoas que também estão viajando de bicicleta, mas o que eu não sabia quando os vi era que eu ficaria ainda mais feliz por esse encontro, eles também eram brasileiros e pararam porque viram o bandeira na minha bicicleta.

Conversamos por um longo tempo, rimos um bocado, compartilhamos nossas histórias e os planos que temos para nossas viagens. Trocamos algumas dicas já que eles estavam indo para a Tailândia e eu estava chegando de lá e seguindo para o lugar de onde eles vinham. Eles não apenas me deram dicas para o Camboja, como mudaram completamente a rota da minha viagem. E com essa mudança posso dizer que o Camboja e Vietnã já não são os últimos lugares que visitarei nas semanas que me restam na Ásia.

Dois dias depois cheguei a Siem Reap, sem ter encontrado ninguém do CouchSurfing que pudesse me hospedar, mas com o endereço de uma igreja que eu tinha visto online. Pedalei até lá e o pastor coreano me disse que a única coisa que podia fazer era permitir que eu acampasse no pátio da igreja. Para mim estava bom, poderia deixar minhas coisas em segurança, tinha um lugar para tomar banho e até Wi-Fi, o que poderia ser melhor?

Nos três dias seguintes visitei o Angkor Wat, o coração e alma do Camboja. O complexo de templos, o maior monumento religioso do mundo, é um símbolo nacional aparecendo até na bandeira. Este é um dos sítios arqueológicos mais importantes do sudeste asiático. Foi nomeado pela UNESCO, em 1992, Patrimônio Mundial da Humanidade. No último dia cheguei às 5:15 para ver o nascer do sol. Pensei que era um pouco cedo, mas fiquei impressionado, quando vi a multidão que já estava lá com suas câmeras e tripés prontos.

Deixando Siem Reap segui para a capital Phnom Penh.

As pessoas no Camboja são muito amáveis e simpáticas, mas o que realmente me deixava louco aqui é como gostam de lograr os estrangeiros. É parte da cultura. Como o Camboja é um país pobre, turismo tem um papel importante na economia, de modo que a ideia geral é que "turistas ricos" não devem queixar-se por pagarem a mais.

Bem, eu não sou um membro desse clube, por isso ficava sempre indignado quando isso acontecia. Eu me lembro de um dia em que parei em um lugar para comprar água (já sabia o preço certo) e perguntei o preço de um sabonete, a senhora disse que custava 10.000, eu não tinha ideia se era caro ou não, mas como que eu logo estaria chegando a uma cidade grande e encontraria um mercado maior, decidi que iria comprar o sabonete lá. Estava deixando o local quando a senhora disse: eu disse 10.000? Eu queria dizer 1.000! Eu sorri ironicamente e me segurei para não mostrar a ela o dedo do meio.

Mas as crianças eram a compensação de tudo isso, em todos os lugares era sempre muito bom ouvir os seus cumprimentos. Às vezes eu não sabia de onde o "hello" ou "bye bye" estava vindo, mas, mesmo assim, abanava para ambos os lados.

A estrada que leva a Phnom Penh estava por vezes em péssimas condições, com longos trechos sem asfalto e uma poeira sem fim. Quando cheguei a Phnom Penh eu tinha certeza de que minha bicicleta e eu nunca tínhamos estado tão sujos durante esta viagem.

Não encontrei ninguém do CouchSurfing em Phnom Penh, mas antes de chegar à cidade vi online que havia muitas igrejas internacionais lá. Mandei um e- mail a um pastor na esperança de que eles tivessem um lugar para mim ou que também me permitissem acampar no pátio da igreja. O pastor repassou o e-mail para algumas pessoas e uma respondeu dizendo que eu poderia ficar em sua casa.

O homem era um missionário americano e já vive e trabalha no Camboja por quase 30 anos. Vendeu seu carro há alguns anos e desde então se move pela cidade só de bicicleta. Essa foi outra pessoa muito bacana que conheci nesta viagem. Ele não só me deu um lugar para dormir, mas me recebeu como um membro de sua família. E embora estivesse muito ocupado, teve tempo para pedalar comigo ao redor da cidade e até mesmo ser meu guia no museu. Como pagar tal gentileza e hospitalidade?

Em Phnom Penh eu aprendi mais sobre a trágica história recente do Camboja. Entre os lugares que visitei está o Museu do Genocídio Tuol Sleng, a ex-prisão S-21. Um complexo escolar que foi transformado em prisão e um centro de tortura durante os dias sombrios do regime do Khmer Vermelho.

O regime do Khmer Vermelho, liderado pelo fanático Pol Pot, não só destruiu o Camboja na década de 70, mas manteve o país em guerra desde o colapso do regime em 1979, até a morte de Pol Pot em 1998.

Quinze quilômetros a sudeste de Phnom Penh, visitei Choeung Ek, o mais conhecido dos mais de 300 campos de extermínio em todo o Camboja durante aquele tempo. Lá cerca de 20.000 foram mortos, de um total de cerca de três milhões de pessoas (25% da população) que perderam suas vidas por meio de execução, fome ou doenças. E tudo isso por causa do ódio, ignorância e medo de uma pessoa cruel e sua falsa causa.

Um capítulo muito triste da história do Camboja que ainda tem implicações no presente. O Camboja ainda tem um longo caminho a ser percorrido, a fim de dar ao seu povo a vida que eles merecem, mas o que anima são as palavras do meu amigo, que, com muitas outras ONGs que trabalham no país, me disse que a vida aqui está melhorando a cada ano.

De Phnom Penh pedalei até Bavet, dormindo uma noite em um templo budista e acampando os outros dias. Daqui atravesso para o Vietnã. Meu plano original era passar mais tempo no Camboja e pedalar até o sul, mas como o Vietnã não é mais a minha última parada na Ásia, tive que encurtar minha rota em ambos os países, de modo a poder pedalar mais pelo tempo que ainda me resta.

Então, é hora de acelerar!